quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O que resta?

Resolveu sair dali. Resolveu que mesmo tendo tanta coisa na cabeça lhe preocupando, iria encontrar uma saída. É, ela encontrou.
Preciso planejar isso, pensou. Droga, não posso mais ficar assim!
Levantou-se, pegou a mochila e seguiu para casa.
A sensação de estar em casa era tão reconfortante e tão perturbadora que lhe causava um certo pânico. Era como encontrar a felicidade e vê-la sendo roubada com apenas uma palavra. Família.
Começava a se sentir como um monstro. Como poderia odiar o fato de ter a familia à sua volta, como poderia sentir tristeza ao vê-la, ali reunida, se divertindo? Não que não a amasse, mas não conseguia mais fingir que tudo era tão lindo e colorido. Já não era mais uma garotinha se lambuzando com um bolo de chocolate, achando tudo divertido como um livro de colorir. Estava cansada de tudo.
Sentia falta dos abraços apertados que recebia da mãe, dos passeios que dava com o pai, das brincadeiras com os parentes. Nada era como antes.
Eram só insultos, ironias, sorrisos falsos. Cansou de ouvir sempre frases do tipo " Meu Deus, o que foi que eu fiz para ela agir assim?'' ou ''Quero a minha filhinha de volta!" Caramba, as pessoas mudam mãe!
Foi direto para o quarto, sem olhar para trás.
Fechou a porta, jogou a mochila na cama e ligou o computador. Olhava para a tela mas não conseguia se concentrar no que estava fazendo. Sua mente continuava perdida, sem foco. Era muito ruim fingir que estava tudo bem, mas não estava com a mínima vontade de explicar o que estava acontecendo às pessoas.
Lá fora a chuva começava a cair. Como ela gostava da chuva! A sensação de pureza e frescor que lhe invadia...
Começou a lembrar das ultimas horas que haviam passado. Voltava a ter a mesma sensação sufocante de cada momento: o dia na escola, as decepções, as mesmas reclamações inúteis dos colegas de classe, o coração partido... Melhor eu parar de pensar nisso.
Foi quando olhou para a cama e reparou que a mochila parecia estar um pouco murcha. Colocou-a colo e abriu o zíper. Revirou a mochila várias vezes, e nada.
Droga, esqueci a porcaria do livro! Agora as letras já não estão mais lá.

Uma hora e meia antes, um rapaz alto e magricela sentava-se num banco do outro lado do parque. Ouvia suas músicas de sempre, normalmente bandas alternativas ou calmas, olhando para o céu constantemente. Gostava muito do ambiente. Podia sentir o cheiro da grama, a brisa...as arvores balançando. Esquecia de tudo ali.
Olhou para o outro lado do parque e viu uma garota revoltada jogando um livro na grama. Por que tanta revolta? 
Observou a menina pelos 30 minutos que se seguiram, gostava de analisar desconhecidos apenas pelos seus gestos. Tentou defini-la mas não conseguiu.Viu apenas uma pessoa transtornada deitada na grama.
Ficou intrigado pelo fato de não conseguir tirar os olhos daquele espécime.
Foi quando ela se levantou e saiu, deixando o livro no chão, com as páginas para baixo.
Atravessou aquele pedaço do parque, pegou o livro do chão e tentou encontrar a garota, mas não a via em canto nenhum.
Olhou para o livro e, mesmo não gostando de histórias daquele tipo, resolveu lê-lo.
Histórias de amor, há quanto tempo não leio nada assim!

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